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LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS
PORQUE EU DIGO SIM
Preliminarmente, uma questão se impõe: o que é droga?
A palavra “droga” – derivada do francês “drogue” – tem por sinônimos as
palavras “narcótico”, “entorpecente” ou “estupefaciente”, e é utilizada para
denominar qualquer substância química, artificial ou natural, que provoque
alteração sensorial.
Droga é, portanto, toda e qualquer substância, natural ou sintética que
introduzida no organismo humano modifica a percepção sensorial, alterando o
comportamento e o humor do indivíduo.
As drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas, como,
por exemplo, a cafeína (do café), a nicotina, (do tabaco), o ópio (da papoula) e
o THC tetrahidrocanabiol (da cannabis).
As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso
técnicas e equipamentos especiais.
No Brasil, de acordo com a vigente Lei de Drogas (Lei 11.343 de
23.08.2006, Artigo 1o, parágrafo único), droga é a substância ou produto capaz
de causar dependência, assim especificado em lei ou relacionado em lista
atualizada periodicamente pelo Poder Executivo da União.
E, para a medicina legal, em apertada síntese, droga é toda substância
capaz de causar dependência física ou psíquica no ser humano.
Destarte, considerando o conceito médico legal, o café, o cigarro, a
cerveja, a cachaça, a maconha e a cocaína – para citar os exemplos mais
comuns no panorama brasileiro – são drogas, pois todas, sem exceção, além de
modificarem a percepção sensorial e alterarem o humor e comportamento
humanos, são capazes de causar dependência, física ou psíquica.
O que diferencia o café, o cigarro, a cerveja e a cachaça da maconha e
da cocaína é, como sabemos, o fato de que estas duas últimas estão
classificadas como drogas ilícitas em lista – qual seja, a Portaria ANVISA 344/98
– elaborada pelo Poder Executivo da União. Seu consumo e comercialização
portanto, além de proibidos, são crimes, tipificados respectivamente no Artigo
28 e no Artigo 33 da referida Lei 11.343/2006.
E eu, já usei drogas?
Sim, aliás, uso até hoje.
Eu sou um viciado.
Em café.
Tomo café várias vezes por dia, algumas vezes, até frio.
E sei que café em excesso faz mal, pois excita em demasia, provocando
distúrbios do sono, além de causar problemas gastro-intestinais.
E já fui um viciado em cigarros.
Até 2007, eu fumava dois maços por dia.
Parei de fumar porque não aguentava mais viver em conflito comigo
mesmo, dividindo o prazer de aspirar, tragar e exalar a fumaça dos meus
Marlboros e Camels, com o medo de desenvolver câncer na gengiva, na boca,
na garganta e nos pulmões, além de outras doenças, digamos assim,
“menores”, como por exemplo, enfisema, ou impotência.
Tais enfermidades, conforme sabe muito bem qualquer médico – e os
fumantes também o sabem, muito embora finjam que não – são consequência
certa desse prazeroso hábito adquirido por espanhóis e ingleses com os índios
das Américas do Norte, Central e do Sul, na época das grandes navegações.
Eu não lembro o dia exato em que parei de fumar, sei que foi no fim de
2007, mas lembro do motivo: eu estava sem cigarros, parei numa loja de
conveniência de um posto de gasolina, e pedi dois maços, um de Camel, outro
de Marlboro.
Quando a atendente me entregou os dois maços, eu cumpri um velho
ritual: olhei no verso dos maços, para ver qual era o aviso do Ministério da
Saúde.
O aviso do maço de Camel era “O Ministério da Saúde adverte: fumar
provoca aborto”, com a fotografia de um feto humano em um vidro; o do maço
de Marlboro, entretanto, era “O Ministério da Saúde adverte: fumar provoca
câncer de pulmão”, acompanhado da fotografia de um sistema respiratório
completo (pulmões, brônquios, etc) completamente tomado por tumores.
Com a maior cara de pau, olimpicamente, pedi à atendente: “meu amor,
troca esse maço p’ra mim, me dá um Marlboro, daquele que faz abortar, por
favor”.
A atendente, coitada, procurou um por um nos maços expostos, mas não
encontrou nenhum Marlboro “dos que fazem abortar”, e, debochada, me
entregou dois maços, dizendo: “olha, dos que fazem abortar não tem mais, só
tem desses dois aqui, um dá impotência, outro dá câncer de pulmão, qual o
senhor vai querer?”
Desisti do Marlboro, fiquei só com o Camel, e, dentro do carro, pensando
no ser abjeto em que o cigarro me transformara, decidi parar de fumar.
Joguei maço de Camel e isqueiro na lata de lixo, e, desde então, nunca
mais fumei.
Quanto ao álcool, admito que aprecio cerveja, que consumo uma ou
duas vezes por semana, em pequenas quantidades.
Muito embora na época da faculdade de direito, tenha, inúmeras vezes,
tido aulas com o famoso e ainda atuante Professor Skol (aliás, você conhece
alguma faculdade de direito que não tenha um ou mais bares nas poximidades?
Eu não conheço nenhuma...) no bar em frente ao prédio da faculdade.
Esss aulas eram tão interessantes que eu e muitos outros alunos
matávamos as outras aulas, e só iamos embora, completamente embriagados,
dirigindo nossos velozes carros e motos, quando o bar fechava as portas...
Um desses alunos, um calouro chamado Marcos, coitado, morreu
voltando para casa porque algum idiota da companhia de eletricidade decidiu
instalar um poste bem no meio da faixa principal de rolamento da avenida por
onde ele, completamente, embriagado, dirigia seu carro novo, que o pai lhe
dera há menos de três meses, como prêmio por passar no vestibular.
É, realmente, “álcool e direção não combinam”, “no Brasil morre mais
gente em acidentes de trânsito do que na Guerra do Vietnã”, foi o que nós
comentamos no dia seguinte, quando soubemos da morte do Marcos, durante a
aula do Professor Skol...
Mas, a faculdade de direito terminou – eu me formei – e o meu consumo
de cerveja vem diminuindo consideravelmente com o passar do tempo,
resumindo-se a, como eu disse, duas vezes por semana, as vezes nem isso.
Cachaça, Wisky, Conhaque, etc?
Não gosto.
Mas, e quanto às drogas ilícitas?
Maconha?
Nunca usei.
Cocaína?
Também não.
Ecstasy?
Também não.
Nunca usei qualquer droga tida como ilícita.
E, quero deixar claro, não pretendo usar, nem as recomendo a ninguém,
assim como não recomendo o uso das drogas tidas como lícitas.
E não as usei, nem pretendo usar, não é por serem ilícitas (já que,
apesar de proibidas, seu consumo e comercialização prosperam no Brasil,
principalmente nas grandes metrópoles), mas porque, ao menos para mim, não
exercem qualquer atração.
E, creio eu, eis aqui o cerne da questão.
Será que os milhares de cigarros que fumei ao longo dos anos são
inofensivos, se comparados, por exemplo, à maconha?
Claro que não.
Todos os anos, milhares de pessoas desenvolvem doenças ligadas ao
fumo, e a maioria dessas pessoas procura a rede pública de saúde que, por
consequência, gasta enormes quantias de dinheiro público com o tratamento
dessas doenças.
Isso é um fato, como também é um fato que as indústrias do tabaco, por
sua vez, recolhem grandes quantias de dinheiro aos cofres públicos, em
impostos referentes à venda dos cigarros que produzem e comercializam, sendo
certo que o cigarro, fato público e notório, é um dos produtos de mais alta
tributação no Brasil.
Também não vou, aqui, discorrer sobre as consequências do uso e abuso
de bebidas alcóolicas, sejam elas – as consequências – médicas (doenças,
como, por exemplo, a cirrose hepática ou o alcoolismo, custos de tratamento,
etc) ou sociais (violência doméstica, desagregação familiar, etc).
Nem é preciso lembrar que as indústrias de bebidas alcóolicas recolhem
grandes quantias de dinheiro, em impostos, aos cofres públicos, além de
patrocinarem eventos esportivos (?!) e culturais (como, por exemplo, os
famosos camarotes dos carnavais).
O fato é que, embora lícitas, são drogas que causam malefícios, mas
geram empregos e impostos, e, justamente por serem lícitas, seu consumo e,
principalmente, a sua comercialização, são, em maior ou menor grau,
controlados pelo Estado.
Outro fato, incontestável, é que o ser humano, desde sempre, se
drogou, e, infelizmente, vai continuar a se drogar.
O que varia é o tipo de droga, de acordo com a cultura social e com o
gosto individual, sendo que algumas drogas hoje tidas como ilícitas já foram
lícitas, tendo sido inclusive comercializadas normalmente, como o são hoje o
cigarro e a cerveja.
E outro fato incontestável é que a proibição (ou proscrição) de certas
drogas, ao contrário do que pensam muitas pessoas, não serviu para impedir
seu consumo e sua comercialização.
Muito pelo contrário, a proibição serviu, apenas, como fomento do total
descontrole do consumo e comercialização dessas drogas, que, como já dito,
prosperam nas grandes metrópoles, apesar da repressão, jurídica (fato definido
como crime) e estatal (atuação policial).
E, a toda evidência, a proibição serve de pretexto para uma guerra,
travada diuturnamente entre as forças policiais e aqueles que se dedicam à
comercialização dessas drogas.
Algumas vezes, essa guerra é furtiva e sem baixas, como no caso da
repressão policial às drogas sintéticas, muito populares nas classes mais
abastadas.
Outras vezes, essa guerra é escancarada e sangrenta, como a que é
travada todos os dias, há pelo menos vinte anos, nas favelas do Rio de Janeiro.
É uma guerra com baixas para ambos os lados, e, também, baixas para
quem não está na guerra, mas vive no meio dela.
É o que os norte-americanos, com frieza, definem como colateral
damage, os danos colaterais, consequências da guerra, ou seja, as baixas civis.
Ah, desculpe, eu já ia me esquecendo...
Eu ainda não me apresentei.
Eu sou policial.
No Rio de Janeiro.
Eu assisto – e participo – dessa guerra há quinze anos.
Mas não acredito mais nela.
Já acreditei, eu admito.
E acreditei muito.
Acreditei tanto que arrisquei minha vida e minha saúde, assim como a
dos policiais com quem porventura trabalhei, dezenas de vezes.
E eles também acreditavam.
Muitos deles acreditam até hoje.
E continuam disputando uma “corrida de quem mata mais”, cuja linha de
chegada jamais veremos, infelizmente.
E quando foi que eu deixei de acreditar nessa guerra?
Quando percebi que, apesar das muitas baixas, de ambos os lados,
apesar das prisões, apesar das apreensões – algumas delas, inclusive, enormes
– de armamento e drogas ilícitas (fruto do brilhante, abnegado e corajoso
trabalho dos mal remunerados e sofridos agentes policiais), o tráfico de drogas,
tal e qual a mítica Hidra grega, a cada cabeça cortada, regenerava outras duas
cabeças, mais venenosas e perigosas do que aquela que fora cortada.
Eu deixei de acreditar nessa guerra quando percebi que, a cada “Inimigo
Público no 01” preso ou morto pelas forças policiais, logo, em seguida, surgia
outro “Inimigo Público no 01”, para servir aos interesses da mídia.
É o famoso “Inimigo Público no 01 da vez”...
Eu deixei de acreditar nessa guerra quando percebi que eu, a exemplo
dos muitos colegas policiais que, como eu, acreditavam estar fazendo o que era
justo e correto, estávamos sendo usados, servindo de engrenagens para uma
enorme máquina lubrificada por interesses políticos, alguns legítimos, outros
ilegítimos.
E, principalmente, eu deixei de acreditar nessa guerra quando percebi
que o preço que ela cobra dos policiais é muito alto.
Essa guerra, mais do que a nossa força laborativa, sacrificada em
investigações ou operações policiais, mais do que o risco de vida, mais do que
as vidas dos que tombaram pelo caminho, está deturpando nossos princípios e
valores mais elementares...
É por isso que sou a favor da legalização das drogas hoje tidas como
ilícitas.
Eu não tenho ilusões.
Sei que o crime não vai acabar, se o consumo e comercialização das
drogas ilícitas forem legalizados.
O ser humano vai continuar a delinquir, coisa que, aliás, já o faz desde a
antiguidade, como se depreende da leitura, por exemplo, da Bíblia sagrada.
Caim matou Abel, não porque estivesse drogado ou para drogar-se, mas
por inveja.
Sei também que muitas pessoas, sob o efeito dessas drogas, cometerão
crimes terríveis, como homicídio, latrocínio, etc.
Mas isso já acontece hoje em dia, apesar da proibição.
E muitas pessoas, sob o efeito de drogas tidas como lícitas, como, por
exemplo, bebidas alcóolicas, cometem esses mesmos crimes.
Algumas pessoas, inclusive, sob o efeito de drogas adquiridas legalmente
na farmácia da esquina, cometem o maior dos crimes, que é atentar contra a
própria vida, muitas vezes, infelizmente, com sucesso.
Eu sou a favor da legalização das drogas sim.
Sei que o crime não vai acabar.
Mas sei que, com a legalização, vai haver controle, em maior ou menor
grau (e, qualquer que seja o controle, vai, certamente, ser maior do que o
atualmente existente), sobre o consumo e a comercialização dessas drogas.
E sei que, com a legalização, acaba o pretexto para essa guerra sem fim,
na qual, como eu já disse, não acredito mais.
Uma guerra que, aliás, não devia nem ser guerra, mas que, com o
passar dos anos, é nisso que se transformou.
Se não é uma guerra, me responda então porque é que utilizamos carros
de transporte de tropas e helicópteros blindados nas operações policiais nas
favelas cariocas?
Você pode até achar que, quando eu afirmo que não acredito mais nessa
guerra, eu estou, na verdade, tentando disfarçar com retórica o fato de que, no
jargão policial, eu fiquei “frouxo”, ou seja, estou com medo de morrer...
Pois vou te contar um segredo, algo que não gostamos de admitir: todo
policial tem medo de morrer, mas o medo maior não é esse, o medo maior é de
ficar inválido, em cima de uma cama, como muitos, infelizmente, aí estão até
hoje.
O medo, muitas vezes, é até salutar, pois funciona como um “grilo
falante”, ou seja, um conselheiro nas horas de perigo, você só não pode é se
deixar dominar por ele.
Só que, por paradoxal que seja, você não sente medo ao atuar, ao
entrar em ação. Você só sente medo depois, em casa, quando relembra o que
ocorreu. Na hora H, você simplesmente age, seja pelo treinamento, seja pelo
instinto, e faz o que tem que fazer.
Eu não acredito mais nessa guerra porque tenho medo de morrer, mas
sim porque, a toda evidência, ela é, e vai continuar a ser, inútil.
Ok, você pode até continuar a achar que eu fiquei “frouxo”, esse, afinal
de contas, é um direito seu, pense o que quiser...
Mas, venhamos e convenhamos, considerando a minha condição
profissional, e o preconceito que cerca a questão da legalização das drogas,
tem que ter coragem para afirmar o que estou afirmando aqui, não é mesmo?
Aliás, se há alguns anos atrás você me dissesse que eu iria escrever um
artigo defendendo a legalização das drogas, eu, muito provavelmente, iria
achar que você estava drogado...
Eu mudei de opinião, porque, hoje, enxergo a questão pragmaticamente.
E pode ficar tranquilo, pois eu não estou drogado, e, pode ter certeza,
não pretendo me drogar, caso as drogas venham a ser legalizadas.
Ser a favor da legalização das drogas não é a mesma coisa que ser a
favor das drogas.
Eu sou, e sempre serei, contra as drogas, pois acredito, piamente, que
devemos cavar masmorras ao vício e elevar templos à virtude.
Também acredito que drogas, lícitas ou ilícitas, são nocivas, umas mais,
outras menos, mas todas o são.
E é por isso que defendo sua legalização, a exemplo das hoje já
legalizadas, para que, pelo menos, o controle sobre elas e suas nefastas
consequências possa, mal ou bem, ser feito, pelo Estado.
Mas, principalmente, porque essa guerra custa, em todos os sentidos,
materiais e imateriais, muito mais caro do que a legalização.
Essa é a minha opinião.
Rio de Janeiro, 30 de Janeiro de 2011.
Francisco Chao de la Torre
Inspetor de Polícia Civil
P.S: Como vocês que leem meu blog também já sabem, sou a favor da legalização pelos mesmos motivos desse inspetor. E deixo aqui também uma ideia aos que fazem parte da Leap Brasil. Vocês devem também deixar bem claro pra o usuário de drogas, que ele terá de assinar um termo de responsabilidade, permitindo que qualquer cidadão use de violência pra detê-lo, caso o usuário venha a ser uma ameça a sua integridade fisica, mesmo que o usuário venha ser morto se necessário.